No limiar do deserto

a comunidade de Bose,vista aérea
...no limiar do deserto,das montanhas, dos bosques...

Tendo contado brevemente a história dos primórdios, é necessário esclarecer em que sentido a comunidade, constituída e consolidada em Bose ao longo dos últimos 35 anos, se reconhece na senda da tradição monástica...

Os monges foram, desde os primeiros tempos da Igreja, homens e mulheres que, para viverem a vocação cristã de uma forma radical, sentiram necessidade de se afastarem, de viverem no limiar da sociedade e também da Igreja. Um Mosteiro está, em geral, junto dos desertos, das montanhas, dos bosques...

hóspedes diante da Igreja monástica
para caminhar com a humanidade...

À sua frente permanece a cidade; um pouco distante mas não muito. Atrás de si o lugar desabitado, o silêncio e a solidão. O monge contempla a cidade e a Igreja: delas não se separa nunca, com elas mantém contacto, por elas intercede e reza em absoluta solidariedade. A elas, por vezes, se dirige com uma palavra, com um gesto, com silêncio. Outras vezes, para proteger o que lhe foi confiado, volta-se para o deserto dando a impressão de lhes ter voltado as costas. Não há qualquer tipo de desprezo nesta atitude mas apenas a sede de se voltar para o Senhor, no silêncio e na escuta.

Bose gosta de se definir como um comunidade no limiar do deserto (junto ao deserto): uma comunidade que, ao silêncio, à escuta da Palavra e à sua vida fraterna, procura associar o acolhimento ao ser humano, para caminhar  junto com a humanidade e dar voz às suas alegrias e esperanças, tristezas e angústias.

Assim, a vida de um Irmão e Irmã de Bose, é ritmada, por um lado, pelo louvor a Deus através da oração e, por outro, pelo serviço imprescindível aos Homens através do seu trabalho profissional e através do acolhimento aos hóspedes, aos viajantes e peregrinos, para além do serviço à Igreja e às Igrejas. Se, como diz a Regra de S. Bento, a primeira coisa que se deve perguntar ou dizer, a quem queira entrar para um Mosteiro, é "se procuras, de facto, Deus...", em Bose é convicção geral que, apenas no rasto de Cristo, isto é, no servir e no dar a vida por cada Homem, é possível procurar/ encontrar Deus e não um ídolo.

Então, porquê no limiar do deserto? Para se especializar na escuta e no conhecimento do Senhor e ao mesmo tempo se especializar em Humanidade. O fim é o amor, a caridade.

a comunidade reunida para a festa de S. Pacómio, Maio 2006
...deves contar em tudo com os teus irmãos...

Irmão, Irmã, tu não estás mais só! Tu deves contar, em tudo, com os teus irmãos.
Ama-os, porque Deus tos deu como guardas, da mesma forma que Cristo te amou até ao fim.
Ama esta comunidade e com ela e através dela todos os homens. Ama todas as criaturas, por elas louva Deus e através delas procura a purificação, ensino e consolação.
Tu foste chamado a ser um sinal de amor fraterno!

(Regra de Bose 2).

A caridade é o télos, o objectivo da vida cristã. Por isso a forma de vida escolhida em Bose, desde o princípio, foi a do cenóbio, para que tudo seja orientado para a vida e para a comunhão fraterna. Dando sempre primazia à palavra de Deus, procura-se pôr tudo em comum para que a vida da comunidade seja marcada por uma partilha de tal forma radical que possa ser sinal da comunhão trinitária que se dilata a toda a criação.